18/03/2013

Olhar para Brixton, Bronx e Baixada


A emenda e o soneto

por Paulo Ramos
Tem havido um debate suscitado pela revista Carta Capital a respeito do cenário de produção e criação artístico-cultural no Brasil. De um lado, temos os críticos do momento atual, dizendo que existe um “vazio” cultural e que as coisas vão de mal a pior. De outro, há os menos catastrofistas que dizem que existem tantas coisas boas que é impossível acompanhá-las, ou que as coisas boas podem ser vistas hoje como puderam ser vistas no passado; basta procurá-las.

Do lado dos que desprezam a atualidade, eu diria que vemos o namoro com os grandes cânones, o flerte com as linhas consagradas, o reconhecimento de uma alta cultura – que não necessariamente “de elite” – e necessidade de uma releitura clássica.

Já entre os meramente satisfeitos com o dia de hoje existem os que estão atentos aos movimentos ligados a uma certa cultura popular, às novidades de mercado ou a adesão à produção underground.

De minha parte, eu reconheço que há muita coisa hoje que pode dar aversão, desgosto ou desesperança no futuro – por exemplo, a canção Camaro Amarelo ser premiada como a melhor música do ano pela Rede Globo de Televisão.

Porém, maior estranheza me causa ler um discurso catastrófico como se nada que é produzido hoje em dia prestasse; como se nada do que está posto no rádio, na TV, nos jornais, na internet etc. carregasse uma nesga de fertilidade inteligente.

O mais recente argumento posto na discussão é uma réplica de Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP e colunista da CartaCapital. Como uma emenda ao soneto que não fora compreendido, ele traz um novo elemento à discussão, qual seja, a do uso mercadológico da ideia de “popular” pela indústria cultural. É, sempre isso houve, desde Noel Rosa pelo menos.

Mas ele não descarta o centro de sua argumentação. “É fato, porém, que a cultura brasileira há tempos não consegue criar continuidades, sequências de trabalhos que fazem a linguagem artística avançar e que fornecem aos novos artistas um horizonte de exploração.”

Safatle, como acadêmico que é, não deve ter esquecido que linearidade, continuidade, sequências e coisas do gênero, não são palavras que interessam ao processo criativo. Muito menos ao gosto ou ao belo. Linearidade e coerência são coisas que importam ao especialista. Poderíamos perguntar até: quem é que precisa de linearidade?
Por outro lado, quem está dizendo que não há? A depender de onde se procurar não haverá, mesmo. Não foram os tropicalistas que se deram este nome, foi um jornalista que os reuniu e fez o “bem bolado”. Aliás, aquele que procurar por sonetos musicados ao som de um acordeom afrancesado, como nas músicas de Chico Buarque, não vai encontrar.

Mas se tentarmos uma busca por “emendas”, talvez valha a pena. Pois as rimas tão precisas quanto previstas e coerentes não são realmente a tônica de nossos dias. A haute culture não faz escola por aqui. Não foi um balé clássico que fez de 2 Filhos de Francisco um belo filme, mas o Cisne Negro pode inspirar um B.Boy do Hip Hop. Mario Quintana pode inspirar um M.C. e uma orquestra sinfônica pode tornar um pagode mais bonito.
Mas se tentarmos linearidade, que tal pensar em Tropicália, Jorge Ben Jor, Racionais MC’s, O Rappa, Paulo Lins, Ferrez, Emicida, Criolo, Caetano Veloso? Não vêm da Europa ou falam alemão, e ainda falam de coisas sujas, o crime, macumba…

Além de falarem de amor, do coditiano, de problemas sociais etc.

Outra emenda de Safatle pode ser “o problema não é a universidade que não ouve hip-hop (o que está longe de ser verdade), mas a periferia que não tem o direito de conhecer John Cage”.

Quem disse que não? Dito assim, parece como um dado e ponto. Será que ele sabe o que já leu o Emicida (cuja principal referência, segundo o próprio, é o Mario Quintana)? E os caras do O Rappa, será que ele tem a vaga ideia de onde eles vão buscar elementos pra tanta sonoridade da poesia cantada? E o que estudam os criadores dos afrescos modernos que embelezam as ruas da cidade e espalham arte pelo espaço público? E os saraus que ocorrem nas periferias de São Paulo não apresentam poesia?

É preciso saber que “a poesia não se perde, ela apenas se converte pelas mãos no tambor”, como canta O Rappa. As novidades, mesmo as da cultura, não precisam estar incrustadas no passado de cânones dos teatros municipais. Mas anterior a esta compreensão, é preciso a ação de olhar para Brixton, Bronx para a Baixada Fluminense e reconhecer que há algo que se ver lá.

Caso contrário, anterior a esta compressão e à superação desta inviabilidade, qualquer emenda ao soneto produzido por uma compreensão colonizada sempre precisará de emenda, e todo pas de deux será um tropeço.


ESQUERDA CENSURADA

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